Postado 27 de agosto de 2025 em Destaques por GrandeAdega
A mineralidade no vinho gera muita controvérsia. Descubra o que a ciência diz e conheça vinhos que expressam esta característica única!
Pedra molhada, giz, grafite… quem já participou de uma degustação certamente ouviu essas descrições curiosas. Mas afinal, o que chamamos de “mineralidade” é mesmo uma característica presente no vinho ou apenas um artifício poético para justificar preços mais elevados?
A resposta, como um bom Chablis, é complexa e cheia de nuances. A seguir, vamos destrinchar a questão sob duas perspectivas, a científica e a sensorial.
Do ponto de vista estritamente químico, é impossível que um vinho tenha “gosto ou aroma de pedra”. Minerais como sílica, calcário ou ardósia são insolúveis em água e, portanto, não são transferidos para o vinho de forma perceptível ao paladar humano. O que chamamos de “minerais” no vinho, na análise laboratorial, são elementos iônicos como potássio, cálcio, magnésio ou flúor, que geralmente contribuem mais para a sensação de salinidade do que para um aroma ou sabor específico.
A ciência aponta para duas explicações principais. A primeira seria o que chamam de compostos sulfurados. Durante a fermentação, leveduras produzem substâncias voláteis, como enxofre, que em níveis baixos e equilibrados evocam aromas de giz ou até borracha.
A segunda, e talvez mais aceita, é a ideia da mineralidade como uma expressão do terroir. Solos pobres e pedregosos, como os do Vale do Limarí, estressam a videira. Para buscar água e nutrientes, suas raízes se aprofundam, e a planta desenvolve um metabolismo diferente. Isso resultaria em uvas com maior acidez e um perfil aromático distinto. O vinho final, portanto, não teria gosto do solo ou da pedra, mas refletiria as condições em que foi cultivado.
Na prática da degustação, o termo “mineralidade” ganhou muito espaço nos últimos anos. Sommeliers, enólogos e críticos de vinho costumam usá-lo para transmitir aromas e sabores que não cabem exatamente nos descritores clássicos de fruta, flor ou madeira.
Para muitos profissionais, a mineralidade define toda a identidade de um terroir. É o que diferenciaria um Chardonnay de Chablis de um produzido na Califórnia, por exemplo. Mais do que descrever um aroma ou sabor específico, manifesta-se como um conjunto de impressões: acidez vibrante, mais corpo e, em alguns casos, um leve salgado que remete ao mar.
Não por acaso, a maioria das regiões vitivinícolas que entregam vinhos com essa característica apresenta solos calcários, graníticos ou vulcânicos.
No fim das contas, as duas visões não são necessariamente excludentes. A ciência busca a causa, enquanto a prática sensorial descreve o efeito. É perfeitamente possível que os compostos sulfurados e o metabolismo da videira sejam os responsáveis pelas sensações que os especialistas descrevem como “minerais”.
A mineralidade pode ser, então, um conceito para uma série de características, influenciadas pelo solo de forma indireta. É uma expressão, um código, que os amantes do vinho desenvolveram para comunicar essa experiência sensorial complexa.
Ou seja, o que importa é a sua experiência: se você sente a pedra molhada, o giz ou o salgado, isso é real.
Para além de discutir teorias, que tal provar na taça? Conheça cinco vinhos que expressam muito bem essa característica:
Os aromas de giz são a assinatura clássica do solo kimmeridgiano de Chablis, rico em calcário e fósseis marinhos. Essa sensação se traduz no paladar como uma acidez quase salina, que dá estrutura ao vinho e prolonga o seu final. Os aromas florais e os cítricos são completados por uma mineralidade muito rica.
Este vinho de Filipa Pato dá uma verdadeira aula prática sobre o tema. Proveniente de solos calcários na Bairrada e produzido com a uva Bical, tem salinidade, muito frescor e notas de fumaça. A mineralidade aqui é o fio condutor de toda a experiência, desde o olfativo até o gustativo.
O nome “Caliza” (calcário em espanhol) já demonstra a principal característica deste rótulo. Proveniente de vinhedos plantados em colinas de solo calcário puro, o vinho exibe uma mineralidade pronunciada, descrita como “salinidade” e “pedra quente”. A pontuação de 98 pontos no Guia Descorchados valida não apenas a qualidade, mas também a intensa expressão do terroir único do Limarí. A mineralidade aqui é complexa, integrada com notas de frutas cítricas maduras e uma textura cremosa.
No Dão, a mineralidade tem uma assinatura diferente. Os solos graníticos, muitas vezes misturados com argila e areia, conferem uma mineralidade mais terrosa, de granito ou argila úmida. É uma mineralidade mais integrada, menos “frontal” que a de Chablis ou Limarí, mas fundamental para a identidade do vinho.
Os solos argilo-calcários de Alba (as “Marne di Sant’Agata”) conferem à Barbera uma base mineral que traz estrutura e frescor. Embora a fruta (cereja preta, framboesa) e os toques de carvalho (tostado, mentolado) sejam proeminentes, é a mineralidade que proporciona o equilíbrio, evitando que o vinho se torne pesado ou excessivamente frutado. Ela se manifesta como uma sensação de “limpeza”, que realça a suculência e a maciez da fruta.