Postado 12 de setembro de 2022 em Vinho e Cultura Pop, Você Sabia? por GrandeAdega
Heresia ou não, a hiperdecantação é uma prática que vem se destacando cada vez mais ao longo do tempo. Saiba no que ela consiste e o porquê de ser considerada um grande erro.
Você presentou um amigo com um grande vinho, um clássico Pommard Premier Cru Les Charmots, por exemplo, e ele te convidou para degustá-lo em um jantar. Naturalmente, a animação é alta e simplesmente não dá para perder uma oportunidade como essa. Chegando lá, seu amigo, vamos chamá-lo de Jorge, agradece novamente pelo presente e diz que aprendeu uma “técnica incrível” na internet, algo que ele chama de “hiperdecantação”. Curioso, você pergunta mais sobre ela e, todo orgulhoso, Jorge diz que consiste em bater o vinho no liquidificador para acelerar o processo de decantação e envelhecer a bebida instantaneamente. Diante disso, só te restam duas opções: impedir ou deixar que um grande clássico acabe dentro de um liquidificador. O que você faria?
Viemos, aqui, apontar o que deveria ser feito em uma situação como essa. Uma alternativa plausível, mas que não defenderemos por motivos de legalidade, é imobilizar seu amigo antes que um grande erro seja cometido. Já que não é recomendável, a melhor opção é orientá-lo.
Acredita-se que foi Nathan Myhrvold, em seu livro “Modernist Cuisine”, o primeiro a falar no tema. Porém, foi só em 2019 que a hiperdecantação realmente se tornou um fenômeno. Tudo isso por conta de outro fenômeno, este da televisão, a série da HBO “Succession”. No terceiro episódio da segunda temporada, o excêntrico personagem Connor Roy aparece com um vinho da Borgonha no liquidificador dizendo que “você pode envelhecer um vinho cinco anos em 10 segundos” através do método, o que chocou sua irmã e, é claro, a comunidade enóloga.
Antes de mais nada, temos o que entender o que significa a decantação em si. Resumidamente, ela consiste no processo de separação do líquido dos sedimentos, geralmente em vinhos não filtrados e de longa guarda. Mais que isso, também serve para aerar, abrir a bebida, processo que introduz oxigênio ao vinho e assim faz com que seus aromas se dissipem com mais facilidade. Nessa linha de raciocínio, hiperdecantar é levar essa ideia ao extremo, buscando uma forma de acelerar a aeração e trazer complexidade artificialmente.
Jay McInerney, conhecido crítico, ao falar sobre o tema, apontou, acertadamente: “Há, também, pessoas que acreditam que bater em uma criança, ou um cachorro, vai melhorar seu comportamento, mas eu definitivamente não estou entre eles. A hiperdecantação certamente não é maneira de tratar um bom (vinho da) Borgonha. Grandes vinhos desenvolvem complexidade ao longo do tempo. Guarde o liquidificador para smoothies”.
Em poucas palavras, bater a bebida no liquidificador é, basicamente, ignorar todo o cuidado empregado no processo de vinificação, tentando transformar um vinho em algo que ele não é em essência.
Categoricamente, hiperdecantar não agrega positivamente, pelo contrário. É claro, porém, que fica a seu critério experimentar e decidir se funciona ou não para você. Mas, por favor, não seja um Connor Roy.
Agora, se você quiser experimentar ótimos vinhos e que não precisam passar pela hiperdecantação, confira nossas dicas:
Vinho espanhol elaborado com as uvas Tempranillo e Graciano. Amadurece por 14 meses em barricas de carvalho francês. Apresenta aromas intensos de frutas vermelhas maduras com notas de especiarias e cacau e, em boca, é agradável, complexo e equilibrado, com sabores de frutas e especiarias, mostrando-se longo e persistente.
Este argentino elaborado em Mendoza, apresenta aromas de frutas vermelhas com notas de violetas, típicas da variedade. Amadurece por 10 meses em barricas de carvalho. Equilibrado e complexo, percebem-se taninos macios que dão estrutura e personalidade ao vinho. A acidez confere vivacidade.
Vinho italiano da Sicília produzido com as uvas Nerello Mascalese e Nero D’Avola. Apresenta aromas de frutas vermelhas, frutas escuras, especiarias (pimenta) e couro. No paladar, é seco, encorpado, apresenta boa acidez, taninos muito bem estruturados e final longo.
Produzido na Toscana, este italiano apresenta aromas que lembram violetas. Em boca, é seco, com notas de cerejas e frutos vermelhos escuros e bastante gastronômico.
Alentejano, este vinho apresenta aromas intensos de frutas escuras, folha de eucalipto e notas de especiarias. Em boca, é muito equilibrado e com taninos arredondados. Fermenta em lagares de mármore com pisa a pé e estagia 12 meses em barricas de carvalho americano e francês.
Vinho português criado por Danilo Gentili, Oscar Filho e Diogo Portugal e produzido no Alentejo. Apresenta aromas de frutas vermelhas maduras, como amoras e groselhas, e notas de baunilha. Em boca, é equilibrado e tem taninos macios.